É possível usar madeiras nobres que não sejam de desflorestamento?
06 / 12 / 2023 Fique por DentroCertamente em algum momento de sua vida você já deve ter escutado a expressão “madeira de lei” ou “madeira nobre”. É um ditado que é atribuído para madeiras de boa qualidade, duras, de alta resistência e que possuem usos nobres como móveis, instrumentos musicais, janelas e portas.
A origem do termo madeira de lei remonta ao período do Brasil colônia, em uma tentativa da coroa lusitana de conter a exploração das madeiras e florestas brasileiras por contrabandistas espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. A primeira madeira de lei foi o pau-brasil, no qual a espécie somente poderia ser cortada com a autorização do rei, com a promulgação da lei, a espécie se tornou a madeira da lei.
Com o fim do império, as leis portuguesas sobre o corte das florestas da colônia de além-mar perderam a validade, mas a expressão se manteve viva no conhecimento da população e aos poucos foram sendo adicionadas outras espécies como jatobá, peroba, cedro, imbuia e outras no termo madeira de lei ou madeiras nobres. Elas possuem em comum o fato de serem extremamente resistentes ao ataque de brocas, cupins e insetos, graças à produção de resinas químicas que servem de proteção natural.
A qualidade da madeira dessas espécies se espalhou rápido, o que levou a maior parte dessas árvores a estarem incluídas em listas de espécies ameaçadas de extinção. A exploração predatória, falta de fiscalização e crescimento lento dessas árvores tornam elas naturalmente raras. As principais madeiras nobres que são usadas em nosso país são:
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Pau-brasil (Paubrasilia echinata) – a primeira madeira de lei do país, possui um crescimento muito lento e leva pelo menos 30 anos para se tornar uma árvore adulta. Muito utilizada pelos portugueses para a construção de instrumentos musicais, caravelas e extração de corante vermelho, levou a espécie a se tornar rara na mata atlântica nos primeiros séculos de exploração.
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Jatobá (Hymenaea courbaril) – espécie de árvore com a madeira extremamente resistente ao entalhe – característica que permite ser cortada sem o risco de rachar ou quebrar – o que torna uma madeira excelente para a produção de móveis. Os últimos grandes exemplares ocorrem em áreas de conservação da floresta amazônica.
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Imbuia (Ocotea porosa) – árvore de ocorrência natural na mata atlântica do sudeste do país, principalmente Paraná e São Paulo. Possui a madeira escura e extremamente resistente ao ataque de fungos e insetos, foi usada ao longo dos séculos para a fabricação de móveis finos e começou a ficar rara na natureza já no início do século XX.
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Cedro (Cedrela fissilis) – árvore de grande porte e que ocorre naturalmente na mata atlântica. Diferente das outras espécies nobres, a sua madeira é relativamente macia, mas extremamente durável em condições ideais. É muito usada para a fabricação de portas e janelas, possui rápido crescimento e ocorre naturalmente em áreas degradadas, mas dificilmente conseguimos ver um indivíduo adulto e de grande porte, devido ao seu corte indiscriminado.
Se de um lado temos a preocupação com a conservação ambiental para a manutenção das florestas e preservação das espécies para evitar a sua extinção, do outro lado da equação temos a demanda da indústria da construção civil que busca madeiras de qualidade para o uso de aberturas e móveis.
Em um período de 20 anos (1998 – 2018), o consumo de produtos com madeira industrializada saltou de 1,5 milhão de metros cúbicos para 2,2 milhões de metros na região amazônica, maior fornecedor de madeira do Brasil, que abastece principalmente o mercado interno. O aumento do volume de madeira comercializado está relacionado com o “boom” da construção civil no período, com o aumento do poder aquisitivo da classe média e incentivo de programas governamentais para o setor de construção.
Entretanto, estima-se que apenas 10% do total das madeiras comercializadas no Brasil, principalmente de origem amazônica sejam realmente legalizadas. O Brasil adota desde 2014 o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor). O Sistema implantado pelo Ibama que controla a origem e a circulação nacionais de produtos florestais como madeira e carvão. Porém o Sinaflor carece de melhorias operacionais, pois é possível “legalizar” madeiras cortadas em áreas proibidas e até mesmo multiplicar o volume de madeiras exploradas legalmente.
É possível usarmos madeiras nobres e que não provenham de áreas desmatadas, mas é preciso um avanço dos sistemas de controle federais e estaduais para produtos madeireiros e que a cultura seja implantada nos consumidores, pois a madeira nobre produzida legalmente e certificada é mais cara que a madeira extraída de forma ilegal.
Duas grandes alternativas são possíveis para atender o mercado brasileiro. Segundo o Imaflora, ao menos 180.000 km² (18 milhões de hectares) de florestas públicas federais e estaduais poderiam ser manejadas de acordo com critérios seguros e ambientalmente corretos. Essas áreas poderiam atender toda a demanda da indústria nacional de madeira, de uma forma que não condena a floresta, com o corte selecionado de exemplares de poucos indivíduos por hectare e com um descanso de pelo menos 20 anos para cada hectare manejado.
Do outro lado é possível o investimento no plantio consorciado de espécies nativas com espécies comerciais de crescimento mais rápido. Espécies como ipê, cedro, jatobá e outras madeiras nobres levam pelo menos 25 anos para estarem aptas para o corte comercial, com tamanho adequado para a demanda industrial, mas a madeira certificada chega a valer 5 vezes mais que madeiras comerciais de rápido crescimento como eucalipto e pinus.
Referências:
O que é madeira de lei? | Super (abril.com.br)
Madeira nobre: todas as vantagens e desvantagens! (ibflorestas.org.br)
Tipos de madeira: diferenças entre a madeira nobre e a madeira comum (ibflorestas.org.br)
As vantagens da produção de madeira sustentável com florestas plantadas (mercadoflorestal.com.br)